Ontem você se foi. Numa espécie de morte
que acomete os vivos. Não chorei. Não me vi vivendo nenhuma espécie de luto.
Apenas constatei que a partida, também simbólica, se consolidava.
Para ser sincera, questionei se partida
seria o termo correto. Como quem questiona se pode ir quem nunca veio. Neste
caso a constatação do “nunca será” foi, não a dedução lógica do doloroso “nunca
foi”, mas a inquestionável face do real.
E por ver a verdade assim tão crua soube
também que este seria o último texto sobre você. Encerramos aqui este monólogo
tão coerente com sua covardia. Não, a intenção não é te ofender num texto final
cheio de rancor. Ou externar minha famosa “braveza”. O intuito é exaurir o
tema. E te poupar não faz parte do plano.
Caso você não tenha interrompido a leitura
para voltar pra sua concha, peço licença
para mais uma rápida digressão antes do texto que te diria respeito: curioso
como tentamos nos forçar à polidez. Acima de tudo desejar o bem do outro,
buscar a parte mais evoluída da nossa humanidade para suprimir pensamentos e
ideias negativas, positivando pensamentos, nos obrigando à civilidade social.
Eu me forço, tento gerar empatia, busco uma versão melhor de mim, crio desculpas
que me pareçam menos rasas ou não tão óbvias, quiça a existência de um amor
verdadeiro, aquele que substitua o que nunca tivemos.
Mas se me desobrigo desta sociabilidade, se
for mesmo sincera comigo, tirando o inegável choque inicial, a notícia da sua
felicidade causam em mim um eco absoluto. Não o desprezo, não a inveja, não há aqui
nenhuma polida cortesia. Apenas um vazio completo. Espécie de anestesia que me
causa mais estranheza do que alívio. Triste ver o amor se transformar em nada. Triste
saber que o que antes foi a permissão de
uma intimidade virou torpor sentimental.
Encontro dificuldade em entender em qual
nível nosso fim me atingiu. Porque hoje vejo cicatrizes bem cuidadas, bem
fechadas, externamente quase imperceptíveis, como lembranças de uma vida que se
viveu. Por outro lado me pergunto se o dano interno tem solução. Me sinto
desalojada do desejo de confiar, me sinto pronta para o não-envolvimento, me
vejo diante do sincero desejo de nunca mais querer alguém como fiz antes. E não
porque não tenha tido o coração quebrado antes. Essa reconstrução deste
incansável músculo tem sido prática e aprendizado, mas hoje vejo a fragilidade que
sustenta o amor. Vejo como, ao desejarmos amar alguém, somos incapazes de
honestamente avaliar quem é esse alguém. E quando digo que nosso fim não foi
coerente com a nossa história, posso apenas reconhecer que coube a mim colorir
o que não tinha cor.
O blablablá teórico sobre a empatia me é
familiar e, confesso, tentei praticá-lo. Mas a decepção... desta não fui capaz
de me libertar. Se à ela está ainda atrelado um certo desprezo é apenas porque
a expectativa era grande. Claramente desproporcional e indevida, agora que a
distância me permite uma visão do seu caráter sem qualquer arroubo sentimental.
E se percebo agora essa minha própria
incapacidade de me desvencilhar da decepção, e se percebo agora sua
incapacidade de ser honesto, percebo agora que já não há mais texto algum em
mim que lhe diga respeito.